(Comece por onde quiser).
Passado.
Era um vaso florido, que ocupava o centro de toda e qualquer atenção e alegria da vida. O vaso era a sala toda. A mesa, cadeiras e objetos eram apenas moldura para ele. O lustre também. Aquele vaso resplandecia a esmo no olhar de quem olhasse mesmo sem querer ver. Ele fisgava o olhar de qualquer um. Florido, como se rosas frescas e eternamente vivas estivessem plantadas e impressas em carne viva na louça branca e virgem. O verde das folhas, em tons do esverdeado claro ao quase azul-marinho, dava realce aos tons das pétalas, do rosa ao carmim, que se abriam para a beleza e para o cheiro delicado e pungente de uma manhã primaveril, fresca e verdejante. Havia uns lances de ouro em alguns lugares para completar-lhe a nobreza peculiar.
Dona Olívia era uma senhora elegante e simpática que abusava estilosamente do uso de flores e flores que cobriam os tecidos e os feitios acentuados dos vestidos que lhe envolviam a silhueta farta e generosa. Era a mulher do farmacêutico. Era a dona do vaso. Era a senhora do homem que guardava a ciência e o zelo pelos habitantes. Quase um herói ao vivo, salvava as dores que a vida ia semeando nos corpos. Ela guardava a diplomacia, o bom humor a toda hora e um perfume resplandecente que se guardava numa multidão de frascos enfileirados sobre a penteadeira.Tinha olhos de Carmem Miranda em algumas situações e cozinhava bem como ninguém.
Toninho e Maria Célia eram os meninos. Filhos da senhora simples e bonita que lavava a roupa para o farmacêutico da pequena São Jose do Parayso e para a sua mulher. Eles formavam o casal mais importante da cidadezinha. Ele era mais que farmacêutico: era médico, conselheiro, parteiro, padrinho, compadre e enfim, prefeito. Mas, com a certeza do sol que ilumina a terra, formavam um casal que tinha perdido a única riqueza que esta vida pode dar a quem quer que seja: a filha adolescente, que se matara misteriosamente numa tarde qualquer de maio com um tiro direto e brusco ao coração ainda em botão. -Que vaso lindo, né, Toninho?
-Uma beleza. Onde será que ela comprou? Deve valer uma fortuna.
-É mesmo. Nunca vi coisa igual.
-Vocês gostaram?Ganhei de presente de casamento. Acho que ele veio da França.Ou da Inglaterra...Não sei.
Toninho ficara anos e anos levando e trazendo roupas impecavelmente lavadas e passadas pela mãe, na batalha e no sustento da vida que se ia.
Maria Célia, desde o primeiro dia de ver o vaso passara anos e anos trabalhando com Dona Olívia, como uma espécie de auxiliar nos pequenos serviços na farmácia, na casa com quintal e jardim imensos.
Nos dias de algum jantar importante e esporádico, o vaso ganhava flores brancas. E era a atração principal da decoração.
-Como o vaso ficou lindo, Dona Olívia. Uma beleza mesmo.
-Você gosta tanto desse vaso não é, Celinha?
-Gosto sim. Quem me dera poder ter um.
-Hum...
-Nem com o dinheiro de vinte anos do meu trabalho posso ter um assim...
-Quem sabe um dia ele será seu. O mundo dá voltas, não dá?
O tempo passou. Como a orquestra da vida manda, o baile muda.Os meninos viraram homens feitos e arrumaram suas vidas como puderam. Foram morar numa cidade grande, longe, em nome do estudo e do fazer a vida. O casal quase perfeito veio a morrer. E deles, o que se sabe ficou no passado e em algumas poucas palavras para se rememorar.
Presente.
-Quanta coisa. Não dá nem para a gente saber o que quer.
-Mas, não estamos procurando alguma coisa para enfeitar o apartamento?
-Por que será que a gente gosta de coisas antigas? Acho que por conta de lembrar a infância da gente que era pobre e só via coisas bonitas... Mas a gente era feliz!
-É que a gente não tinha consciência disso.
-Andávamos de pés descalços, lembra?
-Fruta a gente tinha por todo canto. Todo mundo dava...
-Você gostou de alguma coisa?
-Acho que vou comprar aquela tela de natureza morta. Os figos com garrafas estão bem bonitos. E o preço também está bom.
-É mesmo. Vai ficar bem legal no seu escritório
-Não. Acho que vou colocar na cozinha. Tem tudo a ver... Não sei...
-Eu não me encantei por nada. Gosto de tanta coisa, mas...
Começa a armar um tempo de chuva. Inesperadamente, um vento começa como uma valsinha pueril. Vai obrigando as barracas da feira a baterem e a chacoalharem ao léu as suas lonas. O tempo foi ficando cada vez mais escuro. As pessoas começam a sair às pressas para buscar refúgio. Objetos de vidro e louça chegavam a cair e a se quebrar ao sabor da marotice do vento. Quase uma ópera bufa de poucos minutos.
-Bem, acho que temos de ir... Olha o tempo!Vamos deixar as compras para outro dia.
-Acho que no fundo a gente gosta mais é de vir aqui e olhar...
-É mesmo. Já viemos aqui tantas vezes e quase por nada nos encantamos.
As pessoas saltavam seus gritinhos de fuga provisória e proteção.
Em meio ao pequenino alvoroço, meio distante e solta naquele espaço, como se saísse de um tempo indefinido, uma senhora mais ou menos gorda, com óculos gatinho escuros e com um vestido demodê, completamente floral passa pelo movimento como uma brisa.
-Você viu o que eu vi!?
-Fiquei pensando se você também tinha visto.
-Meu Deus!... Parecia ela! Tanto tempo. Como foi que isso aconteceu?
Olharam para trás, para os lados. Tentaram encontrá-la com os olhos. Nada.
A senhora gorda e atemporal desaparece como um sopro florido.
O tempo vai mudando de novo e retorna ao que era: claro, tranquilo, outonal. O que acontecera fora mais rápido que uma lembrança ou um pé-de-vento provisório.
De repente, na última barraca, aos pés de uma velha mesinha e alguns objetos, estava o vaso. O vaso florido. O vaso da Dona Olívia? Não, não era.Mas, era muito parecido.Guardava a mesma singeleza e estampa.
Ergueram o vaso do chão. Tinha um carimbo de origem inglesa.
-Querem levar? Bonito não é? É uma peça francesa, final do século. Acabei de receber. Comprei-a agorinha. Vocês têm sorte. Querem levar? Faço um desconto. E olha que o preço está bom.
Os dois meninos, homem e mulher feitos e guardadores de história revivida, quase em silêncio, perguntaram o preço por perguntar. Compraram.
-Algo me diz que era mesmo pra ser de vocês...
E levaram, encostado ao peito, o vaso, embrulhado em jornal velho.
Agora mesmo o vaso florido está lá, no meio de uma mesa enfeitando a vida que por ali dá seu tom.
Futuro.
A antiga Noite concebe do Vento o seu véu de prata no colo da Escuridão.
Ventos, estações, nuvens, sol e chuva, chuva e sol, casamentos, mortes e separações, catástrofes, bem-aventuranças sutis, amores e desamores. Frutos e flores amanheceram sobre a tenra terra. Deram às suas almas pequenas, seus néctares e sua tez. E apodreceram e deixaram suas sementes.
No casarão amarelo da esquina da Rua Júlio Verne, 33, na agora metrópole, em plenos meados do século 21, nada acontecia. Não se vendia, não se alugava, não tinha o rumor da vida ali circulando. Havia anos tudo estava embargado. Questões legais ainda emperravam a seqüência da vida casa, quase um palácio, para os tempos de avanço e degradação.
O jardim guardava o desenho e a arquitetura de anos atrás. Era um rascunho. Parecia parado num tempo equalizado para o nada. Os carros zuniam e não havia cor ou cheiro como os que outrora exalaram beleza e humanidade por ali. Outros tempos. O futuro doía em tudo.
Lá em cima no casarão, no quarto dos fundos tudo estava organizado para o dia que um furgão de mudanças levasse tudo. Havia móveis cobertos por lona e pó, caixas fechadas, poucos pacotes e alguns objetos empilhados num armário antigo que guardava documentos e papéis tão fora de circulação. Bem em cima, no topo, junto com duas estatuetas de Pierrô e Colombina envoltas em plástico-bolha, estava ele, intacto, o vaso.
Como teria ido parar ali? O destino desenha caminhos inimagináveis para isso. Podemos perseguir com nossa imaginação algo que explique. Agora não é hora para isso.
Aquela casa incrustada num tempo que não era seu instigava muitas pequenas histórias noturnas. Diziam que em noites mornas de primavera, podia se ver em leve movimento, três corações, em forma e efeito de lâmpadas, pirilampeando por entre as janelas. Um maior e dois menores.
Fazia algum tempo que eles não davam o seu ar da graça para os passantes das noites de lua clara.
O que é estranhamente claro é que hoje pela madrugada, pelos corredores e salas vazias e por entre o acortinado das salas, esses caminhantes de carne e luz serão vistos dando vida etérea para o casarão.
De uns tempos para cá estavam mais presentes. Eram os três: uma senhora e duas crianças.
O que importa é que hoje à noite haverá uma forte chuva com granizo e rajadas de vento na metrópole que guarda tantos segredos indecifráveis. O tempo sacudirá as cortinas velhas, baterá portas semi-abertas e deixará um pequeno rastro de destruição.Alguém esquecerá uma janela aberta.E ele, o vento, comandado pelo senhor dos tempos e dos destinos, sacudirá o espaço e levará ao chão de madeira nobre o majestoso vaso.O vaso florido e tão amado.Ele se fará em muitos pedacinhos no acalanto cerimonioso dos três habitantes noturnos.
Nunca mais eles retornarão por ali.
No outro dia, pleno sol da manhã. No chão, apenas os cacos do destino.
O vigia da casa coça a cabeça e se diz, circunspecto:
-Ainda bem que só quebrou aquele velho vaso. É melhor dar um jeito nisso.
Recolhe tudo e higieniza o ambiente.
No início da noite, antes de fechar o casarão da esquina, certifica-se de que tudo estará bem fechado. E vai semeando como um saltimbanco moderno o punhado de cacos por entre as roseiras do velho e impotente jardim.
Novo dia.
Na manhã de hoje, do futuro interminável algo acontecerá como uma benção da memória e do sentimento vivido.
Todos os que por ali passam permanecerão por alguns momentos extasiados e revigorados por uma atmosfera mais que linda para aqueles dias banais: o velho jardim amanhecerá plenamente florido.Exalando um perfume natural e incomum, inebriando os olhares com tantas e tantas flores, do rosa claro ao carmim. Como se eles pudessem ter um dia de paraíso naquele futuro que daria lugar a tantos outros.
Antonio Gil Neto
Os sapatos da Dona Aracy
(Das proibições e seus impulsos transgressores)
Eu sempre tenho algo de sapatos para contar. Não é que seja coisa de fetiche, não. É outra coisa.Vamos ver.
Andar descalço pela casa, pelos quintais e pelo nosso mundo interiorano era coisa que fazíamos quando crianças.
Nossos pés desnudos sempre eram os aventureiros de marca maior em todas as caminhadas que bem fazíamos. Por eles íamos desbravando corajosamente tantos chãos... Sempre encontrávamos indistintamente boas ou más surpresas a encarar. Ora um espinho, caco de vidro e mesmo um escorpião que cravavam sem piedade as plantas de nossos destemidos pés, ferindo e sangrando a sua carne; ora, encontravam um caminho abrasador e cheio de pontiagudas pedrinhas. Então saltitávamos. Assim, nossos pés bailarinos fugiam da dor. Por vezes, era uma água fresquinha, límpida e corrente que acarinhava os nossos pés curiosos, acarinhando-os com imenso frescor. Dentro do riacho, na tenda do céu os minúsculos lambaris borboleteavam por entre esses temerários andarilhos.
Lembro-me bem quando em plena festa natalina meus pés descalços e infantis foram a sensação, logo depois da sobremesa, quando brincávamos todos no quintal da casa dos meus avós. É que em meio ao pega-pega a planta de um deles foi profundamente perfurada por um prego enferrujado. Fo i um Deus nos acuda. Logo me socorreram por conta dos altos gritos. Fui levado ao colo com um dos pés sangrando, feito um Jesus Cristinho sem cruz. O farmacêutico sem dó e piedade puxou o prego com toda a força e fez o que devia ao audacioso pé que tivera o mau agouro de encontrar terrível inimigo.Pois essa era uma das façanhas que poderiam acontecer a quem andava como nós, plenamente descalços.
Por volta dos sete anos, começávamos a usar os sapatos. Para mim eles eram no começo, estorvos. Parecia que meus pés viviam numa cadeia. Quando chegava da escola, depois de quatro horas com meus sapatos novinhos em folha, eram eles os primeiros que ficavam abandonados ao chão. Devolvia aos meus nômades pés a velha liberdade, perigosa de vez em quando, mas imensamente prazerosa e feliz, a que eles estavam familiarizados.
E mais, não sabia que pensava que os sapatos seguiam uma espécie de rigorosa lei: eram eternamente feitos de couro, nas cores preta ou marrom. Assim como era a jabuticaba: preta, pretinha.Sempre.Não haveria e nunca poderia haver uma jabuticaba vermelha ou azulada. Imagine, nem por sonho!Se pudesse ser vermelha, seria outra coisa, de outra natureza. Poderia ser então uma pitanga, bem madurinha. Isso sim. E pitanga não era jabuticaba. Meus pés, meus audaciosos pés e paladar sabiam bem.
Lembro-me bem quando chegaram as alpargatas. Sabe lá o que é isso? Nas duas pequenas lojas da cidade, a Loja de Armarinhos Kalil e o Bazar da Dona Chiquinha foram exibidas nas prateleiras convidativas junto ao preto e ao marrom de todos os sapatos que lá ficavam. Era como jabuticabeiras que exibiam nos seus troncos, logo depois da florada e do aparecimento das bolinhas verdes, as suas negras iguarias. Esse era momento de virar a nossa delícia aventureira de morar horas e horas naqueles breves paraísos galgados pelos nossos pés malabaristas. Na época de escola me lembro que tinha um ou dois sapatos, no máximo.
Nem me lembro do formato ou feitio deles, mas, fechando bem os olhos, sei que eram marrons ou pretos.
No quarto ano tínhamos uma professora que viera de uma cidade grande morar em nossa pequenina cidade. Recém casada, seu marido era o contador da Prefeitura, um senhor fino e educado. Ela era muito bonita e sempre pronta a fazer dos nossos estudos um lugar de seriedade com um pouco de diversão e novidades.Todos nós íamos disputando imperceptivelmente um lugar de destaque no seu afeto. Era esperada por todos a alegria de poder levar às quartas-feiras as pilhas de nossos cadernos de linguagem que iam visitar a sua casa para a sua salvadora correção.
Lembro-me que em algumas poucas vezes era o destacado para protagonizar essa tarefa. Orgulhoso, ia à frente com os cadernos quase bloqueando a visão.Meus pés é que viam tudo. Caminhavam três quarteirões da escola até a casa, empurravam o portãozinho que dava para rua, passeavam pelo corredorzinho entre os canteiros floridos do jardim. Aí me plantava na área de entrada, deixando descansar a pilha sobre o banco que tinha os pés e braços em forma de patas e bocas de leão.
Dali, a intimidade com a professora ficava por conta do nosso eterno imaginar. Coisa que eu bem usava na hora de preencher o retângulo que fazíamos em cima de cada folha do caderno de linguagem. No fundo, o desenho era sempre para agradar a professora. A Dona Aracy.
Para nós ela não era uma pessoa comum, qualquer. Era a nossa professora. Além de ser a número um a ser convidada para as festas, para ser madrinha de quase todos os casamentos, para batizar muitos nascidos, para ser a presidente da comissão festeira da quermesse oficial da cidade, dentre as poucas honrarias que a nossa comunidade poderia oferecer.
Um belo dia, eis que sempre tem um em nossas vidas, bem no dia da nossa festa de formatura, a nossa paraninfa e professora querida surge em meio a tanta pompa e engalanamento, sob o meu olhar enquadrado e definitivo. Estava vestida com uma sobriedade recriada. Usava com uma saia discreta, de uma cor bege, como disse a minha mãe e com uma blusa nesse mesmo tom que surgia da saia. Nela estavam salpicadas generosamente bolas vermelhas. E para a minha estonteante e indignada surpresa vestia nos pés sapatos incrivelmente vermelhos. Na hora fiquei desconcertado no meu silêncio latejante e elocubrador O que acontecia?Como isso podia ser? Afinal, como poderiam existir sapatos intensivamente vermelhos, se só existiam pretos e marrons, como as jabuticabas!Vermelhos só para as pitangas!
Fiquei pensando e resolvendo aquela breve incógnita em minha existência de menino aprendiz. Como a D. Aracy conseguia desobedecer esta lei da cor dos sapatos?
Logo fui resolvendo. Afinal ela era a número um, era a favorita de Nossa Senhora. Ou uma princesa escolhida e eleita pelo melhor príncipe e protegida pela fada madrinha, a que vestia o seu sapato de cristal no melhor do baile. Enfim, só ela mereceria usar algo assim. A Dona Aracy, a nossa divina professora, tinha esse poder. Só ela poderia ter sapatos vermelhos ou de uma outra cor.
O que acontecia comigo naquele pedaço da infância? No fundo, acho que eu tinha aprendido que pela lei da natureza dos sapatos era impossível e, portanto, proibido, haver sapatos de outra cor que não fossem pretos ou marrons. A transgressão da D.Aracy só me fez repensar tudo o que eu já havia dado como líquido e certo na minha aprendizagem pela vida.
Fiquei pensando que muito disso a gente vivia e vive. Quantas e quantas coisas desse tipo a gente dá por líquido e certo e não é bem assim. Aqui, nestes parênteses, conversando com você e com meus botões virtuais, me lembrei de algumas boas proibições que indelevelmente ocupavam a minhas atitudes durante bons tempos da minha vida.Tem umas que estão presentes e firmes até hoje. Como proibições naturais. Até hoje não consigo misturar leite com manga. E olha que conheço pessoas que fazem isso e estão vivas até hoje.Também não consigo tomar banho logo após alguma refeição. Minha avó dizia que a gente morria ou ficava com a boca torta.
Outras coisas que aprendi com ela: em temporal, cobrir sempre os espelhos com lençol e guardar bem nas gavetas tesouras e facas para não chamar os raios. Até hoje tenho medinhos desse tipo quando pinta um chuvaréu danado. Mais: até hoje não aponto estrelas com o indicador. Embora não tenha conhecido ninguém que tenha verruga nas pontas dos dedos conservo aquele mesmo medinho infantil de elas surgirem, incômodas, por conta desse gesto proibido. Até hoje quando encontro chinelo virado ou guarda-chuva aberto dentro de casa, já vou logo desvirando e fechando. Guardo aquela suspeita de que algo de desgraça pode ser evitado. Bolo quente, recém saído do forno, você come?Eu espero esfriar ou me atrevo a comê-lo morninho.
Coisas de avós?Será?Por certo, você terá outras dessas para nos contar. Quem se habilita?
E como lhe confessei que sempre tenho coisas de sapatos para contar, conto agora uma das últimas brincadeiras que me peguei inventando e já dividindo com alguns íntimos amigos. É mais ou menos assim: quando estamos numa fila de cinema, por exemplo, e temos de esperar, brincamos de olhar primeiramente os sapatos das pessoas sem olhar mais nada delas. Como um jogo de cabra-cega. Aí, através do nosso olhar metonímico, nos aventuramos a imaginar mais outros detalhes da pessoa. E mais e mais. Não vou contar mais desta brincadeira. Mas a gente se diverte muito e descobre muitas coisas. Fica aqui um convite para você recriar esta brincadeira adulta e arranjada.
Mas, a última dessa história de sapatos aconteceu através de uma mulher elegante, poderosa e inteligente que conheci nos encontros de trabalho. No fundo, talvez ela me lembre a Dona Aracy. Parece escolher os sapatos como ponto inicial e principal de todo o seu conjunto do vestir. Cada vez que ela surge e surgirá, acho que sempre haverá uma festa para se imaginar. É que os sapatos dela são incrivelmente belos e sempre há um detalhe e uma surpresa: ora é uma textura original, uma combinação ímpar de cores, um efeito na dinâmica dos sapatos. Para mim, isso vale como se estivéssemos exercitando essa capacidade humana imprescindivelmente bela e fundamental: pensar, imaginar, recriar a nossa existência e o nosso bel-prazer. E de uma certa forma, infringindo a mira das proibições.Transgredindo e buscando um novo e mais eficiente sentido para o nosso viver.Nessa ótica, transgredir é fundamental.Ou não é bem assim?
Antonio Gil Neto
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